A atual guerra comercial teve início em 1º de fevereiro de 2025, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva impondo tarifas adicionais de 10% sobre uma ampla gama de importações, atingindo diversos países, inclusive a China. A medida foi justificada como uma resposta à proteção de setores estratégicos norte-americanos.
Em 10 de fevereiro, a China foi o primeiro país a retaliar, impondo tarifas sobre produtos energéticos e agrícolas dos EUA. Em abril, os Estados Unidos elevaram ainda mais as tarifas especificamente contra a China, atingindo 145%, ao mesmo tempo em que aliviaram restrições contra outros países aliados — movimento interpretado como uma manobra para isolar economicamente Pequim. A China respondeu com medidas equivalentes, incluindo o bloqueio de exportações de metais raros e a suspensão de compras da Boeing. Em documento publicado pela Casa Branca os EUA indicam que a China poderá enfrentar tarifas de até 245% a depender do produto. Isso inclui uma tarifa recíproca de 125%, uma tarifa de 20% para abordar a crise do fentanil e tarifas da Seção 301 sobre bens específicos, entre 7,5% e 100%. Nesta segunda quinzena de abril as tarifas norte americanas impostas à China atingiram 245%, sem sinais concretos de trégua, enquanto as tensões pressionam cadeias produtivas globais e aprofundam a incerteza econômica internacional.
Guerra comercial no mundo: impactos para a mineração no Brasil
Os efeitos do chamado tarifaço americano e das subsequentes disputas comerciais entre duas das maiores potências econômicas do mundo já se fazem sentir globalmente, provocando forte volatilidade nos mercados financeiros e queda acentuada no valor das ações em bolsas de diversos países.
Para o Brasil, as consequências podem ser significativas. Os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial brasileiro, aplicaram uma tarifa adicional de 10% sobre a maioria das importações provenientes do país, com alíquotas ainda mais severas — de até 25% — para setores estratégicos como o aço e o alumínio. A produção de minério para o abastecimento do parque siderúrgico nacional poderá sofrer impactos negativos, tendo em vista a nova regra tarifária sobre o aço e alumínio do governo americano, o que pode fazer com que o volume importado pelos EUA do Brasil seja reduzido.
A China, maior parceiro comercial do Brasil e principal destino das exportações de minério de ferro e soja, tende a reduzir suas compras de produtos norte-americanos, o que pode gerar espaço para fornecedores alternativos. Nesse contexto, o Brasil pode ser beneficiado, ao menos no curto prazo, como substituto natural, especialmente no fornecimento de commodities agrícolas e minerais — desde que consiga manter competitividade e segurança jurídica para atrair a demanda chinesa.
No entanto, no longo prazo, uma disputa comercial prolongada e sem resolução pode resultar na desaceleração do comércio global, afetando a atividade econômica de maneira generalizada e reduzindo a demanda por insumos industriais — o que impactaria negativamente justamente os principais produtos da pauta exportadora brasileira.
Quer entender melhor como a nova política tarifária dos Estados Unidos, e a atual guerra comercial China X EUA pode impactar a mineração brasileira? Confira o texto completo abaixo.
Os primeiros efeitos no cenário internacional




De acordo com matéria publicada pela BBC, as medidas impostas por Trump em fevereiro deste ano repercutiram globalmente, derrubando preços de ações, a cotação do dólar e do petróleo. No dia 3 de abril as bolsas de valores americanas despencaram: o índice S&P 500, que reúne as ações das maiores companhias dos Estados Unidos, recuou 4,1%.
Na Ásia, o índice de referência Taiex, da Bolsa de Valores de Taipé, principal mercado de ações de Taiwan, registrou uma queda diária, em 7 de abril, de 9,7%, a maior da história.
Quanto às bolsas europeias, após a imposição do tarifaço, foram registradas quedas consideráveis nos principais índices. Na manhã da segunda-feira (07/04/2025), o índice pan-europeu STOXX 600 caiu 5,8%, acumulando o maior recuo percentual em um único dia desde a crise da COVID-19. A queda levou o índice ao menor nível dos últimos 16 meses.
A preocupação de que o tarifaço americano e suas retaliações provoque uma desaceleração da economia global, reduzindo a demanda por matérias-primas, fez com que petrolíferas com ações listadas na bolsa brasileira apresentassem quedas significativas, em resposta à retração na cotação do petróleo. Tanto o barril do tipo Brent, referência mundial, quanto o WTI, referência nos EUA, acumulavam perdas de quase 7% na data de 3 abril.
Preço do minério de ferro no contexto da guerra comercial




Conforme informações disponibilizadas pelo InfoMoney, na quarta-feira, 9 de abril, os contratos futuros do minério de ferro caíram para os níveis mais baixos em mais de seis meses. A queda reflete a mudança na perspectiva de demanda pela commodity, diante do cenário atual marcado pelo tarifaço e pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.
O contrato de setembro do minério de ferro mais negociado na Bolsa de Mercadorias de Dalian (DCE) da China encerrou as negociações do dia com queda de 2,68%, a 689 iuanes (US$93,74) a tonelada.
Já o contrato de minério de ferro para maio, negociado na Bolsa de Cingapura, recuava 1,16%, cotado a US$ 93,65 por tonelada. Mais cedo, chegou a atingir US$ 91,70 por tonelada, o menor valor desde 24 de setembro.
Essa retração, no curto prazo, pode impactar negativamente o setor de mineração, em especial o Brasil, um dos principais produtores mundiais de minério de ferro. Por outro lado, de acordo com o Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (SINDIFER), existe a possibilidade de recuperação dos preços a médio e longo prazo.
A China, maior consumidora mundial de minério de ferro, pode adotar medidas de estímulo para reaquecer sua economia, como investimentos em infraestrutura, o que tende a ampliar ainda mais a demanda pelo insumo.
Além disso, o Brasil pode ser beneficiado, ao menos no curto prazo, como substituto natural para suprir parte da demanda chinesa anteriormente atendida pelos Estados Unidos — especialmente no fornecimento de commodities agrícolas e minerais. Para que essa oportunidade se converta em ganhos efetivos e sustentáveis, no entanto, é fundamental que o país preserve sua competitividade, garanta segurança jurídica aos investimentos e promova estabilidade nas relações diplomáticas e comerciais internacionais.
BRASIL E EUA – Exportação de aço e alumínio
De acordo com dados do ComexStat/SECEX/MDIC (2025), em 2024 as exportações brasileiras de minério de ferro para os Estados Unidos totalizaram US$ 392.465.778 (valor FOB). Segundo a mesma fonte, as exportações de aço, também em valor FOB, somaram aproximadamente 4 bilhões de dólares. Já as exportações de alumínio alcançaram US$ 4.687.538.
No total, considerando também outros produtos, as exportações brasileiras para os EUA acumularam 10 bilhões de dólares (ComexStat/SECEX/MDIC, 2025), o que consolida o país como o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.
Segundo a revista exame, nos primeiros três meses deste ano, os Estados Unidos foram responsáveis por comprar quase metade da produção brasileira de aço e alumínio. Até o mês de março, o Brasil vendeu US$ 1,52 bilhão para os EUA, o equivalente a 47% das exportações para o mundo inteiro (US$ 3,2 bilhão).
Entretanto, a partir do dia 12 de março de 2025, entrou em vigor a cobrança de tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio nos Estados Unidos.
Como efeito da medida implementada, é possível que ocorra uma diminuição das exportações de ambos os produtos para o mercado norte-americano. A longo prazo, isso representa desafios para a mineração e para o setor siderúrgico, que podem ter de diminuir sua produção, conforme afirmado por André Catto em matéria ao G1.
Neste cenário, pode ser necessário que o Brasil diversifique os destinos das exportações no intuito de reduzir a dependência externa do mercado consumidor norte americano. Em um contexto de incertezas, Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da UERJ, indicou que a China pode absorver parte das exportações brasileiras, já que o país asiático tem preferência por importar produtos semimanufaturados, como placas de aço e chapas de alumínio, para posterior transformação no produto final.
Por outro lado, conforme reportagem do G1 baseada em análise do Itaú BBA, siderúrgicas brasileiras como Gerdau, Usiminas e CSN, também mineradoras de ferro, não devem ser tão prejudicadas pelas tarifas. Isso porque, conforme explicou Daniel Sasson, analista do banco para o setor de mineração e siderurgia, as exportações representam uma parcela menos relevante na operação dessas companhias.
Tensões comerciais e incerteza econômica elevam preço do ouro a patamar inédito




O preço do ouro, tradicionalmente visto como o ativo mais seguro em tempos de incerteza econômica, atingiu a máxima histórica de US$ 3.167,57 por onça em abril de 2025. Este recorde reflete uma combinação de fatores: a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, com tarifas elevadas por ambos os lados, aumentou a aversão ao risco nos mercados; a expectativa de cortes nas taxas de juros pelo Federal Reserve impulsionou a demanda por ativos não remunerados como o ouro; e a desvalorização do dólar americano tornou o metal mais atrativo para investidores internacionais. Além disso, os bancos centrais, especialmente de países emergentes, intensificaram suas compras de ouro como forma de diversificar reservas e proteger-se contra volatilidades cambiais e políticas econômicas incertas. Analistas do Goldman Sachs e UBS projetam que, mantidas as atuais condições de mercado, o ouro pode alcançar patamares de até US$ 3.500 por onça até o final do ano, consolidando-se como um dos ativos de melhor desempenho em 2025
Esse cenário tem beneficiado mineradoras com operações no Brasil. A Aura Minerals, por exemplo, viu suas ações (AURA33) valorizarem 173% nos últimos 12 meses, impulsionadas pelos recordes do preço do ouro. A empresa reportou um lucro líquido de US$ 24,6 milhões no quarto trimestre de 2024, um aumento de 24% em relação ao mesmo período do ano anterior. Outra mineradora, a AngloGold Ashanti, registrou um aumento de 7,5% na produção de ouro em Minas Gerais em 2024, totalizando 271 mil onças, o que contribuiu para um incremento de 3,8% na produção nacional da empresa. Esses resultados refletem como o aumento no preço do ouro está impactando positivamente o desempenho das mineradoras que operam no Brasil.
Desafios e oportunidades para o brasil e a mineração
Nesta nova realidade projetada pelo tarifaço de Donald Trump e pela subsequente escalada da disputa comercial global, torna-se inevitável que o Brasil seja impactado — especialmente o setor mineral, cuja pauta exportadora é fortemente dependente da demanda internacional por commodities. Em um ambiente marcado por incertezas políticas e econômicas, a tendência de médio a longo prazo é de retração na demanda por matérias-primas, o que pode afetar negativamente países exportadores como o Brasil.
Por outro lado, a reconfiguração das rotas comerciais causada pelo confronto entre Estados Unidos e China abre espaço para o reposicionamento de países que se mantêm neutros e estáveis. Nesse contexto, o Brasil pode se apresentar como um fornecedor confiável para ambos os lados, desde que mantenha sua competitividade, segurança jurídica e capacidade de resposta logística. Segundo o diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Rinaldo Mancin, “O Brasil é considerado um país estável para se construir e manter corrente de comércio e relações diplomáticas, não se envolve em conflitos com outras nações, além de contar com atrativos importantes, a exemplo da energia majoritariamente de fontes limpas”. Isso reforça a viabilidade da diversificação dos destinos das exportações brasileiras.
Ainda que desafiador, o cenário também pode trazer boas oportunidades para o mercado brasileiro, sobretudo no curto prazo. Entre elas, destaca-se o aumento das exportações de minerais críticos e estratégicos. O Brasil, com seu vasto potencial geológico, tem condições de se consolidar como um fornecedor alternativo confiável desses minerais para países como Estados Unidos, Japão e União Europeia.
Observa-se também um crescimento expressivo de projetos de ouro em fase de licenciamento ou desenvolvimento, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. O momento favorável do mercado internacional tem impulsionado a valorização das ações de mineradoras já estabelecidas, ao mesmo tempo em que atrai investimentos para novas iniciativas. A consolidação das mineradoras de ouro no Brasil reforça o papel estratégico do país no fornecimento de metais preciosos em tempos de instabilidade global.
Outro fator que pode favorecer a indústria brasileira em meio a esse rearranjo geopolítico é a possibilidade de aceleração das negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O cenário atual pode aumentar o interesse europeu por diversificar seus fornecedores fora dos EUA e da China, abrindo espaço para que o Brasil amplie sua presença nos mercados europeus, especialmente em setores industrializados e de alto valor agregado.
Diante de todos esses elementos, é evidente que a situação demanda cautela, coordenação institucional e diplomacia por parte do governo brasileiro. No entanto, também representa uma janela de oportunidade para reposicionar o país no comércio internacional e fortalecer sua relevância estratégica no fornecimento global de recursos naturais e produtos industriais.