Guerra comercial no mundo: impactos para a mineração no Brasil

Belo Horizonte, 16 de Abril de 2025:

A atual guerra comercial teve início em 1º de fevereiro de 2025, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva impondo tarifas adicionais de 10% sobre uma ampla gama de importações, atingindo diversos países, inclusive a China. A medida foi justificada como uma resposta à proteção de setores estratégicos norte-americanos.

Em 10 de fevereiro, a China foi o primeiro país a retaliar, impondo tarifas sobre produtos energéticos e agrícolas dos EUA. Em abril, os Estados Unidos elevaram ainda mais as tarifas especificamente contra a China, atingindo 145%, ao mesmo tempo em que aliviaram restrições contra outros países aliados — movimento interpretado como uma manobra para isolar economicamente Pequim. A China respondeu com medidas equivalentes, incluindo o bloqueio de exportações de metais raros e a suspensão de compras da Boeing. Em documento publicado pela Casa Branca os EUA indicam que a China poderá enfrentar tarifas de até 245% a depender do produto. Isso inclui uma tarifa recíproca de 125%, uma tarifa de 20% para abordar a crise do fentanil e tarifas da Seção 301 sobre bens específicos, entre 7,5% e 100%. Nesta segunda quinzena de abril as tarifas norte americanas impostas à China atingiram 245%, sem sinais concretos de trégua, enquanto as tensões pressionam cadeias produtivas globais e aprofundam a incerteza econômica internacional.

 

Guerra comercial no mundo: impactos para a mineração no Brasil

Os efeitos do chamado tarifaço americano e das subsequentes disputas comerciais entre duas das maiores potências econômicas do mundo já se fazem sentir globalmente, provocando forte volatilidade nos mercados financeiros e queda acentuada no valor das ações em bolsas de diversos países.

Para o Brasil, as consequências podem ser significativas. Os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial brasileiro, aplicaram uma tarifa adicional de 10% sobre a maioria das importações provenientes do país, com alíquotas ainda mais severas — de até 25% — para setores estratégicos como o aço e o alumínio. A produção de minério para o abastecimento do parque siderúrgico nacional poderá sofrer impactos negativos, tendo em vista a nova regra tarifária sobre o aço e alumínio do governo americano, o que pode fazer com que o volume importado pelos EUA do Brasil seja reduzido.

A China, maior parceiro comercial do Brasil e principal destino das exportações de minério de ferro e soja, tende a reduzir suas compras de produtos norte-americanos, o que pode gerar espaço para fornecedores alternativos. Nesse contexto, o Brasil pode ser beneficiado, ao menos no curto prazo, como substituto natural, especialmente no fornecimento de commodities agrícolas e minerais — desde que consiga manter competitividade e segurança jurídica para atrair a demanda chinesa.

No entanto, no longo prazo, uma disputa comercial prolongada e sem resolução pode resultar na desaceleração do comércio global, afetando a atividade econômica de maneira generalizada e reduzindo a demanda por insumos industriais — o que impactaria negativamente justamente os principais produtos da pauta exportadora brasileira.

Quer entender melhor como a nova política tarifária dos Estados Unidos, e a atual guerra comercial China X EUA pode impactar a mineração brasileira? Confira o texto completo abaixo.

Os primeiros efeitos no cenário internacional

Foto: Flutuação nas bolsas de valores.

De acordo com matéria publicada pela BBC, as medidas impostas por Trump em fevereiro deste ano repercutiram globalmente, derrubando preços de ações, a cotação do dólar e do petróleo. No dia 3 de abril as bolsas de valores americanas despencaram: o índice S&P 500, que reúne as ações das maiores companhias dos Estados Unidos, recuou 4,1%.

Na Ásia, o índice de referência Taiex, da Bolsa de Valores de Taipé, principal mercado de ações de Taiwan, registrou uma queda diária, em 7 de abril, de 9,7%, a maior da história.

Quanto às bolsas europeias, após a imposição do tarifaço, foram registradas quedas consideráveis nos principais índices. Na manhã da segunda-feira (07/04/2025), o índice pan-europeu STOXX 600 caiu 5,8%, acumulando o maior recuo percentual em um único dia desde a crise da COVID-19. A queda levou o índice ao menor nível dos últimos 16 meses.

A preocupação de que o tarifaço americano e suas retaliações provoque uma desaceleração da economia global, reduzindo a demanda por matérias-primas, fez com que petrolíferas com ações listadas na bolsa brasileira apresentassem quedas significativas, em resposta à retração na cotação do petróleo. Tanto o barril do tipo Brent, referência mundial, quanto o WTI, referência nos EUA, acumulavam perdas de quase 7% na data de 3 abril.

Preço do minério de ferro no contexto da guerra comercial

Foto: Minério de Ferro. Fonte: Reuters.

Conforme informações disponibilizadas pelo InfoMoney, na quarta-feira, 9 de abril, os contratos futuros do minério de ferro caíram para os níveis mais baixos em mais de seis meses. A queda reflete a mudança na perspectiva de demanda pela commodity, diante do cenário atual marcado pelo tarifaço e pela guerra comercial entre China e Estados Unidos.

O contrato de setembro do minério de ferro mais negociado na Bolsa de Mercadorias de Dalian (DCE) da China encerrou as negociações do dia com queda de 2,68%, a 689 iuanes (US$93,74) a tonelada.

Já o contrato de minério de ferro para maio, negociado na Bolsa de Cingapura, recuava 1,16%, cotado a US$ 93,65 por tonelada. Mais cedo, chegou a atingir US$ 91,70 por tonelada, o menor valor desde 24 de setembro.

Essa retração, no curto prazo, pode impactar negativamente o setor de mineração, em especial o Brasil, um dos principais produtores mundiais de minério de ferro. Por outro lado, de acordo com o Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (SINDIFER), existe a possibilidade de recuperação dos preços a médio e longo prazo.

A China, maior consumidora mundial de minério de ferro, pode adotar medidas de estímulo para reaquecer sua economia, como investimentos em infraestrutura, o que tende a ampliar ainda mais a demanda pelo insumo.

Além disso, o Brasil pode ser beneficiado, ao menos no curto prazo, como substituto natural para suprir parte da demanda chinesa anteriormente atendida pelos Estados Unidos — especialmente no fornecimento de commodities agrícolas e minerais. Para que essa oportunidade se converta em ganhos efetivos e sustentáveis, no entanto, é fundamental que o país preserve sua competitividade, garanta segurança jurídica aos investimentos e promova estabilidade nas relações diplomáticas e comerciais internacionais.

BRASIL E EUA – Exportação de aço e alumínio

De acordo com dados do ComexStat/SECEX/MDIC (2025), em 2024 as exportações brasileiras de minério de ferro para os Estados Unidos totalizaram US$ 392.465.778 (valor FOB). Segundo a mesma fonte, as exportações de aço, também em valor FOB, somaram aproximadamente 4 bilhões de dólares. Já as exportações de alumínio alcançaram US$ 4.687.538.

No total, considerando também outros produtos, as exportações brasileiras para os EUA acumularam 10 bilhões de dólares (ComexStat/SECEX/MDIC, 2025), o que consolida o país como o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.

Segundo a revista exame, nos primeiros três meses deste ano, os Estados Unidos foram responsáveis por comprar quase metade da produção brasileira de aço e alumínio. Até o mês de março, o Brasil vendeu US$ 1,52 bilhão para os EUA, o equivalente a 47% das exportações para o mundo inteiro (US$ 3,2 bilhão).

Entretanto, a partir do dia 12 de março de 2025, entrou em vigor a cobrança de tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio nos Estados Unidos.

Como efeito da medida implementada, é possível que ocorra uma diminuição das exportações de ambos os produtos para o mercado norte-americano. A longo prazo, isso representa desafios para a mineração e para o setor siderúrgico, que podem ter de diminuir sua produção, conforme afirmado por André Catto em matéria ao G1.

Neste cenário, pode ser necessário que o Brasil diversifique os destinos das exportações no intuito de reduzir a dependência externa do mercado consumidor norte americano. Em um contexto de incertezas, Lia Valls, pesquisadora associada do FGV Ibre e professora da UERJ, indicou que a China pode absorver parte das exportações brasileiras, já que o país asiático tem preferência por importar produtos semimanufaturados, como placas de aço e chapas de alumínio, para posterior transformação no produto final.

Por outro lado, conforme reportagem do G1 baseada em análise do Itaú BBA, siderúrgicas brasileiras como Gerdau, Usiminas e CSN, também mineradoras de ferro, não devem ser tão prejudicadas pelas tarifas. Isso porque, conforme explicou Daniel Sasson, analista do banco para o setor de mineração e siderurgia, as exportações representam uma parcela menos relevante na operação dessas companhias.

Tensões comerciais e incerteza econômica elevam preço do ouro a patamar inédito

O preço do ouro, tradicionalmente visto como o ativo mais seguro em tempos de incerteza econômica, atingiu a máxima histórica de US$ 3.167,57 por onça em abril de 2025. Este recorde reflete uma combinação de fatores: a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, com tarifas elevadas por ambos os lados, aumentou a aversão ao risco nos mercados; a expectativa de cortes nas taxas de juros pelo Federal Reserve impulsionou a demanda por ativos não remunerados como o ouro; e a desvalorização do dólar americano tornou o metal mais atrativo para investidores internacionais. Além disso, os bancos centrais, especialmente de países emergentes, intensificaram suas compras de ouro como forma de diversificar reservas e proteger-se contra volatilidades cambiais e políticas econômicas incertas. Analistas do Goldman Sachs e UBS projetam que, mantidas as atuais condições de mercado, o ouro pode alcançar patamares de até US$ 3.500 por onça até o final do ano, consolidando-se como um dos ativos de melhor desempenho em 2025

Esse cenário tem beneficiado mineradoras com operações no Brasil. A Aura Minerals, por exemplo, viu suas ações (AURA33) valorizarem 173% nos últimos 12 meses, impulsionadas pelos recordes do preço do ouro. A empresa reportou um lucro líquido de US$ 24,6 milhões no quarto trimestre de 2024, um aumento de 24% em relação ao mesmo período do ano anterior. Outra mineradora, a AngloGold Ashanti, registrou um aumento de 7,5% na produção de ouro em Minas Gerais em 2024, totalizando 271 mil onças, o que contribuiu para um incremento de 3,8% na produção nacional da empresa. Esses resultados refletem como o aumento no preço do ouro está impactando positivamente o desempenho das mineradoras que operam no Brasil.

Desafios e oportunidades para o brasil e a mineração

Nesta nova realidade projetada pelo tarifaço de Donald Trump e pela subsequente escalada da disputa comercial global, torna-se inevitável que o Brasil seja impactado — especialmente o setor mineral, cuja pauta exportadora é fortemente dependente da demanda internacional por commodities. Em um ambiente marcado por incertezas políticas e econômicas, a tendência de médio a longo prazo é de retração na demanda por matérias-primas, o que pode afetar negativamente países exportadores como o Brasil.

Por outro lado, a reconfiguração das rotas comerciais causada pelo confronto entre Estados Unidos e China abre espaço para o reposicionamento de países que se mantêm neutros e estáveis. Nesse contexto, o Brasil pode se apresentar como um fornecedor confiável para ambos os lados, desde que mantenha sua competitividade, segurança jurídica e capacidade de resposta logística. Segundo o diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Rinaldo Mancin, “O Brasil é considerado um país estável para se construir e manter corrente de comércio e relações diplomáticas, não se envolve em conflitos com outras nações, além de contar com atrativos importantes, a exemplo da energia majoritariamente de fontes limpas”. Isso reforça a viabilidade da diversificação dos destinos das exportações brasileiras.

Ainda que desafiador, o cenário também pode trazer boas oportunidades para o mercado brasileiro, sobretudo no curto prazo. Entre elas, destaca-se o aumento das exportações de minerais críticos e estratégicos. O Brasil, com seu vasto potencial geológico, tem condições de se consolidar como um fornecedor alternativo confiável desses minerais para países como Estados Unidos, Japão e União Europeia.

Observa-se também um crescimento expressivo de projetos de ouro em fase de licenciamento ou desenvolvimento, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. O momento favorável do mercado internacional tem impulsionado a valorização das ações de mineradoras já estabelecidas, ao mesmo tempo em que atrai investimentos para novas iniciativas. A consolidação das mineradoras de ouro no Brasil reforça o papel estratégico do país no fornecimento de metais preciosos em tempos de instabilidade global.

Outro fator que pode favorecer a indústria brasileira em meio a esse rearranjo geopolítico é a possibilidade de aceleração das negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O cenário atual pode aumentar o interesse europeu por diversificar seus fornecedores fora dos EUA e da China, abrindo espaço para que o Brasil amplie sua presença nos mercados europeus, especialmente em setores industrializados e de alto valor agregado.

Diante de todos esses elementos, é evidente que a situação demanda cautela, coordenação institucional e diplomacia por parte do governo brasileiro. No entanto, também representa uma janela de oportunidade para reposicionar o país no comércio internacional e fortalecer sua relevância estratégica no fornecimento global de recursos naturais e produtos industriais.