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Da mina ao porto: logística e transporte de minérios no Brasil

1. O Brasil minerador e o desafio da distância

A geografia brasileira favorece a abundância de recursos minerais, mas também impõe desafios logísticos significativos, devido às dimensões continentais do país e à predominância de uma topografia acidentada:

  • As maiores jazidas estão no interior do país, em estados como Minas Gerais, Pará, Goiás, Bahia e Mato Grosso;
  • A produção mineral é pesada, volumosa e exige infraestrutura especializada.
  • Os portos de escoamento estão, muitas vezes a milhares de quilômetros de distância;

Por isso, a logística mineral é estratégica para a competitividade do setor, tanto no mercado interno quanto na exportação.

2. Modais logísticos utilizados no transporte mineral

2.1 Ferrovia: o gigante da mineração brasileira

A ferrovia é a principal forma de transporte mineral no Brasil. Grandes volumes, longas distâncias e baixo custo por tonelada tornam o trem a escolha ideal para cargas como minério de ferro, bauxita, carvão e manganês.

Principais ferrovias minerais:

  • EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas) – 905 km entre Mariana (MG) e o Porto de Tubarão (ES)
  • EFC (Estrada de Ferro Carajás) – 892 km entre a Mina de Carajás (PA) e o Porto de Ponta da Madeira (MA)
  • FCA conecta o quadrilátero ferrífero aos portos de Sepetiba (RJ) e Santos (SP)
  • Ferrovia Norte-Sul
  • FIOL - Ferrovia de Integração Oeste-Leste (em expansão)
  • Transnordestina – no Nordeste (Pecem no CE e Suape em PE)

Vantagens:
- Custo logístico menor do que o transporte rodoviário
- Alta capacidade de carga
- Menor emissão de CO₂ por tonelada transportada
- Mais segurança e previsibilidade operacional

Desafios:

  • Malha ferroviária desconectada e concentrada no Sudeste/Norte
  • Falta modernização em grande parte da malha principalmente Nordeste
  • Dependência de concessões privadas verticalizadas
  • Baixa integração com outros modais 

2.2 Rodovia: flexível, porém onerosa

Apesar do custo elevado, o transporte rodoviário ainda é amplamente utilizado na mineração, especialmente para:

- Conectar a mina à ferrovia, ou ao porto, ou ao consumidor final
- Transportar minérios industriais e fertilizantes
- Escoar mineração de menor escala

Desvantagens:
- Alto custo por tonelada/km
- Impacto ambiental elevado, com destaque para a alta emissão de dióxido de carbono (CO₂), já que caminhões movidos a diesel são intensivos em combustíveis fósseis. O modal rodoviário é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do setor logístico, contribuindo significativamente para o aquecimento global.
- Congestionamento e desgaste das rodovias
- Rodovias malconservadas, proximidades de cidades – aumento de acidentes e perdas de carga

2.3 Hidrovia: potencial adormecido

O transporte hidroviário de minerais no Brasil é subutilizado a quase inexistente, apesar do imenso potencial de rios navegáveis:
- Rio Tapajós (PA) e Rio Tocantins (PA): em avaliação para o transporte mineral
- Rio São Francisco: já utilizado pontualmente

- Rio Paraguai: escoamento do minério de ferro da região de Corumbá - MS

Vantagens:
- Baixo custo operacional
- Emissão reduzida de CO₂
- Alta capacidade por comboio fluvial

Limitações:
- Falta de portos e eclusas – inúmeras hidrelétricas diminuíram a navegabilidade dos rios, exigindo obras de engenharia (eclusas)
- Navegação sazonal
- Baixo investimento ou quase nenhum em infraestrutura hidroviária

2.4 Mineroduto: o transporte invisível

Minerodutos são tubulações longa distância usados para transportar polpas minerais (mistura de minério e água).

Exemplos:
- Minas-Rio (Anglo American) – 529 km desde Conceição do Mato Dentro (MG) até o Porto do Açu (RJ)
- Samarco – dutos entre Mariana (MG) e Ubu (ES) – em torno de 400 km de extensão.

Vantagens:
- Transporte contínuo
- Baixo impacto visual e sonoro

- Baixo custo operacional
- Redução da necessidade de transporte rodoviário

Desvantagens:

  • Investimento inicial elevado
  • Dificuldade de adaptação a diferentes produtos
  • Dependência de alto consumo de água e energia
  • Mais necessidade de engenharia (estações de bombeamento, sensores de vazamento etc.)
  • Mais impacto em superficiários, licenciamentos etc.

3. Cadeias logísticas reais: da mina ao porto

A logística mineral no Brasil é marcada por corredores complexos e intermodais, que conectam minas no interior do país a portos oceânicos voltados à exportação. Cada cadeia logística é moldada pela localização geográfica da jazida, pelo tipo de minério, pelo volume de produção e pela infraestrutura disponível ou desenvolvida sob demanda.

Nesta seção, destacamos alguns dos principais cases de sucesso logístico no setor mineral brasileiro, que ilustram diferentes combinações de modais e estratégias, confira:

Vale – Projeto S11D (PA–MA)

Minério: Ferro

Localização: Canaã dos Carajás (PA) até São Luís (MA)

Extensão logística: ~972 km

Modal predominante: Correias transportadoras + ferrovia

Porto: Ponta da Madeira (São Luís – MA)
O S11D Eliezer Batista é o maior projeto de mineração da história da Vale. Entrou em operação em 2016, após quase uma década de estudos e investimentos superiores a US$ 14 bilhões. A mina adota correias transportadoras em vez de caminhões, reduzindo emissões de CO₂. O transporte ferroviário é feito pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), também operada pela Vale, que foi modernizada para suportar o novo fluxo de carga.

 

Anglo American – Sistema Minas-Rio (MG–RJ)

Minério: Ferro (pellet feed)

Localização: Conceição do Mato Dentro (MG) até Porto do Açu (RJ)

Extensão logística: 529 km

Modal predominante: Mineroduto

Porto: Terminal Portuário de Açu (São João da Barra – RJ)
Operado pela Anglo American, o Sistema Minas-Rio entrou em operação em 2014 e é um dos maiores minerodutos do mundo. O investimento total superou US$ 8 bilhões. O duto atravessa 32 municípios, transportando o minério de ferro em polpa (slurry) até o litoral. Sua construção enfrentou desafios ambientais, técnicos e jurídicos, mas hoje é referência global em logística mineral de longa distância com baixo impacto rodoviário.

 

CBMM – Nióbio em Araxá (MG)

Minério: Nióbio

Localização: Araxá (MG) até o Porto de Santos (SP)

Extensão logística: ~800 km

Modal predominante: Rodovia + ferrovia

Porto: Porto de Santos (SP)
A CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) opera a principal mina de nióbio do mundo em Araxá (MG). O concentrado é transportado por rodovia até Uberaba e, de lá, embarcado na malha ferroviária da VLI (antiga FCA) rumo ao porto. A empresa atua desde os anos 1960, mas a estrutura logística atual foi consolidada entre as décadas de 1990 e 2000, com foco na exportação.

4. Gargalos logísticos no setor mineral brasileiro

Apesar da relevância do setor mineral para a economia brasileira e dos avanços em projetos logísticos de grande escala, a cadeia de transporte mineral ainda enfrenta obstáculos estruturais significativos. Esses gargalos impactam diretamente o custo logístico, a competitividade internacional das commodities minerais e a capacidade de resposta a novos mercados e demandas ambientais.

A seguir, listamos os principais entraves que dificultam a fluidez logística da mineração brasileira — desde a origem nas jazidas até os portos de exportação:

- Malha ferroviária desintegrada e mal distribuída
- Dependência excessiva do modelo rodoviário
- Portos congestionados e com baixa capacidade mineral (competição com o agro)
- Baixa conectividade multimodal (ferrovia-porto-hidrovia)
- Burocracia alfandegária e falta de agilidade na exportação
- Pouca rastreabilidade na cadeia logística
- Falta de investimentos públicos em infraestrutura logística mineral

5. Oportunidades e tendências para o futuro

Diante dos gargalos estruturais e das exigências crescentes por eficiência, sustentabilidade e rastreabilidade, a logística mineral brasileira tem diante de si um campo fértil de inovação e modernização. A incorporação de novas tecnologias, a diversificação modal, o avanço das parcerias público-privadas e o alinhamento às práticas ESG abrem caminhos para um futuro mais resiliente e competitivo.

As principais frentes estratégicas que apontam para a evolução da logística mineral no Brasil incluem:

  •  Intermodalidade inteligente
    - Integração entre ferrovia, rodovia e hidrovia para reduzir custos e emissões
  • Logística sustentável
    - Modais de baixa emissão, caminhões elétricos, compensação de carbono
  • Digitalização e automação
    - Monitoramento via IoT, rastreamento em tempo real, IA para previsibilidade
  • Parcerias público-privadas (PPPs)
    - Concessões ferroviárias, incentivo à logística compartilhada e ao uso de hidrovias

6. A FIOL: eixo estruturante para o futuro da mineração no Centro-Oeste e Nordeste

A Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) é um dos projetos mais ambiciosos de infraestrutura logística mineral do Brasil. Seu objetivo é conectar áreas de grande potencial mineral no interior da Bahia ao litoral, oferecendo um corredor de escoamento ferroviário eficiente e competitivo para a produção de minério de ferro e outras cargas.

Características do projeto

  • Comprimento total planejado: 1.527 km
  • Trajeto:
    • FIOL 1: Ilhéus (BA) – Caetité (BA) [em construção]
    • FIOL 2: Caetité (BA) – Barreiras (BA) [em projeto]
    • FIOL 3: Barreiras (BA) – Figueirópolis (TO) [previsto]
  • Conexão com a Ferrovia Norte-Sul, formando um eixo do litoral baiano até o Tocantins e Centro-Oeste

A concessão da FIOL 1 foi assumida pela Bahia Mineração (BAMIN) em 2021, com previsão de operação comercial até 2027. Essa etapa é estratégica para o escoamento do minério de ferro extraído em Caetité, uma das maiores reservas de ferro da Bahia, atualmente, segundo o Tribunal de Contas da União, passa por uma fase de reavaliação após a BAMIN desmobilizar as obras e encerrar o contrato de construção no segmento entre Uruçuca e Ilhéus, apesar de já ter realizado investimentos significativos no projeto. 

Diante dessa paralisação e do desempenho abaixo do esperado, o governo federal criou um grupo de trabalho para analisar a situação do contrato e definir os próximos passos para garantir a continuidade da ferrovia. Enquanto isso, a concessionária mantém apenas as atividades de manutenção e o cumprimento das obrigações socioambientais, deixando o futuro do trecho dependente das decisões que serão tomadas a partir dessa avaliação.

Conclusão

A logística mineral é a espinha dorsal da mineração brasileira. Sem ela, não há exportação, não há competitividade, não há crescimento. Transportar minérios de forma eficiente, segura e sustentável é tão importante quanto extraí-los. No Brasil, esse desafio ganha escala diante das longas distâncias, da malha ferroviária mal distribuída e da forte dependência das rodovias.

Ainda assim, há sinais de avanço. Investimentos em ferrovias interligadas, novos corredores logísticos e rotas mais sustentáveis já estão em andamento. Projetos na região Norte, por exemplo, buscam conectar áreas produtivas a portos fluviais, abrindo caminhos estratégicos para o mercado asiático. A digitalização também começa a transformar a cadeia logística: rastreamento em tempo real, análises preditivas e automação reduzem perdas e otimizam rotas.

Outros países mineradores oferecem modelos inspiradores. Austrália e Canadá apostaram em logística dedicada à mineração, com ferrovias próprias, portos automatizados e intermodalidade eficiente. Com isso, reduziram custos, emissões e riscos, tornando-se líderes em fornecimento mineral no cenário global.

O Brasil tem recursos, demanda e capacidade técnica para seguir esse caminho. Para isso, precisa acelerar obras, reduzir burocracias e incentivar parcerias entre o setor público e privado. A logística será o diferencial da nova mineração: conectada, sustentável e preparada para competir em um mercado global cada vez mais exigente.